a
morte
vem
ali
na esquina.
de
tão longe que eu a via
hoje
a
vejo ali
conversando
com o jornaleiro da esquina.
acena-me.
oferece
um café.
dá
bom dia.
eu
me calo.
por
quanto tempo eu a evitarei?
não
sei.
não
me sinto preparado para jantar de encontro.
e
depois?
o
que há depois?
nada.
há
os que ficam
os
que vão dividir meus bens
e
minhas saudades.
há
os que esquecerão
e
os que se lembrarão
de
mim
de
quem fui.
mas
estes também irão jantar conosco...
meu
computador
meu
gato
minha
cama
minha
moto.
tudo
irá jantar conosco
um
dia.
alguns
rapidamente
como
uma faísca
uma
mosca.
outros
daqui
a muito tempo
como
tartarugas.
tudo
perece...
há
o filme que não vi
o
livro que não li
tanta
coisas que não fiz.
mas
são meus desejos
meus
sonhos
que
nunca contei a ninguém
que
sumirá
na
poeira do cal.
levarei
comigo
vontades
planos
traumas
medos.
eu
sou ridículo.
vivo
preocupado com os outros
o
que dizem
o
que acham
o
que veem em mim
o
que adoram em mim.
vivo
pensando no que os outros acham
e
não faço nada.
macular
tradições?
penso
demais
vivo
de menos.
que
cor está na moda?
que
filme não posso perder?
careca
ou cabeludo?
gírias?
educação?
pega
a fila, jorge!
pela
a fila indiana infinita da sociedade.
por
quê?
por
que viver assim?
deixar
de fazer
deixar
de gostar
deixar
de tudo.
por
quê?
porque
os outros podem não gostar.
por
que os outros isso.
porque
os outros aquilo.
ridículo.
ridículo
como meus pensamentos ridículos.
eu
não gosto de abacate
mas
está na moda comer abacate
então
eu como abacate
como
todos comem abacate.
devo
ser magro
devo
ser forte
devo
ser igual
devo
ser normal.
e
se for diferente?
serei
excluído.
não
vão me contar segredos
não
vão me convidar pra balada
não
vão me colocar no amigo secreto
não
vão me chamar para o aniversário de um ano e meio do quinto filho.
excluído
não posso viver.
tenho
que saber os segredos
tenho
que ir pra balada
tenho
que participar do amigo secreto
tenho
que ir no aniversário de um ano e meio do quinto filho.
senão
eu não serei normal.
e
não vou dormir.
depressão.
ser
igual é legal.
ser
igual é legal.
repita
comigo:
ser
igual é legal.
ser
legal é igual.
ops.
ser
igual me deixará feliz?
todos
são felizes?
eles
não pensam
nem
se preocupam
com
isso.
a
vida é fútil.
a
vida é volátil
a
vida é fumaça.
foda-se
a vida.
grande
merda viver a vida dos outros na minha.
grande
bosta!
viver
é diferente.
não
é isso.
viver
é fazer o que se gosta
viver
é ser iluminado na escuridão
viver
é iluminar lá dentro
sem
medos
sem
traumas.
viver
sem vergonhas...
viajar
se
quiser viajar.
vestir
vermelho
se
quiser vestir vermelho.
comer
arroz com brócolis
se
quiser comer arroz com brócolis...
viver
é fazer o que quiser sem medos.
viver
é
ócio o dia todo
ou
trabalho.
viver
é
sexo a todo momento
ou
a assexualidade.
viver
é
pular da janela do vigésimo andar
ou
se apaixonar.
viver
é
fugir do ponto turístico
daquele
que
todo mundo visita.
viver
é
não trazer a foto da torre famosa
e
trazer de uma formiga incrível.
viver
é
ser diferente
e
até
ser
igual.
mas
é fazer o que se quer.
nossa!
você
não trouxe foto da torre?
todo
mundo traz!
não!
viver
não é fazer o que todo mundo faz
só
porque todo mundo faz.
viver
é fazer o que você quer fazer
porque
você quer fazer.
ser
igual?
fazer
igual?
viver
igual?
morrer
igual?
desaparecer
igual?
sei
que vou morrer
e
desaparecer
sim
eu
sei
mas
quero aparecer
agora
já
neste
momento.
não
é “aparecer” no jornal
na
tv
na
“globo”.
não.
quero
ser alguém
para
mim
para
meus filhos
para
minha família.
quero
que se orgulhem de mim
por
ser eu
ser
quem eu sou
do
meu jeito
mesmo
louco ou desajeitado
mesmo
pobre e preguiçoso
mesmo
rei ou deus.
mesmo
sendo eu.
ainda
me preocupo
sim
muito
com
os preconceitos.
sim
ainda
não sou livre
senão
agora
não
estaria aqui
estaria
em maxaranguape
ou
boipeba
ou
caravelas
ou
naquela cidade de pescadores onde todos conhecem todos
e
todos são iguais
porque
são diferentes.
sim
ainda
não sou livre
visto
uniforme
camisa
branca
calça
preta.
sim.
ainda
luto para ganhar dinheiro
e
ganhar muito
e
mais
e
mais.
cada
vez mais.
sim.
sou
igual.
(chorando...)
sim.
sou igual a você. igual a todo mundo.
mas
há
luzes se acendendo
sinais
de alerta surgindo
sonhos
piscando
planos
emergindo.
há
além
de tudo
uma
perda.
a
perda dos medos
dos
traumas
do
próprio preconceito de ser diferente.
estou
mudando.
não
é amadurecimento.
não.
já
estou fruta madura.
que
comece a colheita...
Jorge de Siqueira
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